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segunda-feira, 30 de abril de 2012

Sobre a tristeza


A tristeza  é um navio lento e sem rumo no oceano. 

O único jeito é esperar passar pra ver onde a maré irá te deixar.

Sem naufragar.

Deixar-se boiar.  

sexta-feira, 27 de abril de 2012

A lua de plutão

No chão, cinzas de uma quarta-feira sem cor.
Era pra ser só mais um dia qualquer, desses cobertos de ressaca de uma folia carnavalesca mal resolvida. O carnaval tinha acabado, e agora não havia mais como escapar dos regimes burocráticos que tradicionalmente a família mineira (chuta, chuta, chuta) impõe sem dó nem piedade.
Tinha passado quase toda festa encaixotando umas coisas e jogando outras fora.
Precisava consertar o chuveiro, que resolveu fantasiar de cachoeira, em plena terça-feira. Resolver a pintura, o caminhão, sabe-se lá o que mais.
Mas o mundo estava em standy by desde então. Só depois das 12, e olhe lá.
De tempos em tempos o vento soprava mais forte, e lá estava ela, carregando pra algum
lugar não se sabe onde, o gato, o cachorro, o papagaio. Isso tudo porque quando
ela nasceu passava bem distante uma lua em plutão, e por isso, a sina da mudança parecia
acompanhar-lhe todo o resto da vida.
Sina é sina.
Conseguia perceber na bagunça dos caixotes empilhados, alguma evolução. Olhou no espelho, e não era mais a mesma da última mudança, mas a dor nos olhos permanecia. Herança genética. Oscilava entre o medo e a coragem de fazer diferente. E a lua (lá em Plutão), não deixava
dúvidas. Deveria mesmo seguir, e mudar tudo de novo.

 

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Um conto de Angola

O telefone tocou exatamente na hora.
Já tinha se acostumado com essas brincadeirinhas do destino.
Como era engraçadinho,  às vezes.
O coração palpitou, mas ela não hesitou, tinha decidido boiar na maré dali pra frente, e não hesitaria mais nada.
Decidiu-se.
Se não tivesse comprometido tanto seu coração, as coisas tenderiam a ser mais fáceis.
Não entendia mais nada daquela relação. Não sabia nem ao menos o que ela própria sentia. Contradizia.
Desligou, pegou a bolsa e saiu.
Com os mesmos fones e playlist tocando no ouvido. Os passos apressados a fariam esquecer qualquer vacilo.
Naquele dia ela ficou quieta num canto só ouvindo, e prestando atenção na mudança da luz com as velas, e o canto, e a capoeira angola, e aquelas sombras dos golpes refletindo na parede amarelada. O som dos atabaques a tranqüilizavam, mas aí mesmo é que ela não pensava em outra coisa, só nele.
Com tanta coisa acontecendo no mundo, e ela ali, preocupada em saber se deveria mesmo ter feito aquele convite, ou simplesmente deixado passar.
E foi numa dessas escapadas da realidade, que quase levou uma Ponteira do colega que, extremamente gentil e preocupado, perguntou se ela queria companhia pra voltar pra casa.
-Andando?
-Pode ser.
Ela sorriu.
Ele foi empurrando a bicicleta.


Daniela Machado

Um café no Jazz 00:00


Já era tarde quando saiu de casa. Tinha acabado de arrumar o leito, e deixou tudo ali em vão.
Tirou a bicicleta do sossego e no calor daquela noite partiu pedalando pela cidade.
Parou na porta do jazz. A luz quente sob o balcão a atraía. Conversa de botequim, música ao fundo e o tintilhar dos copos na cozinha.

Não beberia nada naquela noite.
 Pediu um café. Era bom estar em Minas Gerais- Pensou.

De vez em quando vigiava a bicicleta, acorrentada na grade, e sentia-se livre. Buscava algo extremamente urgente, só faltava-lhe saber o que.
Pediu mais um café na decisão de que, dali em diante,  não dormiria nunca mais.