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sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

No meio do caminho tinha um baque

Trocaria sistemáticamente os pés pelas mãos até que algum a esfolasse. O caminho era o mesmo, com aquela luz neón e a poeira do asfalto, que ardia-lhe os olhos . Nos muros, pinturas urbanas. Muitas sombras perambulavam por ali.
Era o início da noite, tinha esperança de encontrar alguma resposta perdida nos compassos do choro, logo mais na travessa.
Estava à caminho.
E no meio do caminho tinha um baque.
O som das alfaias ecoavam na avenida afora. Sentiu seu coração bater no mesmo ritmo. Seguiu sem pensar muito, sem entender nada, e deparou-se com o baque na rua.
A energia era contagiante, e era difícil evitar. Era como se saísse de si por eternos instantes, e pudesse flutuar. E já não havia ninguém na rua, só o som tomando conta do seu corpo quente. De repente todo o suor foi transformado em chuva fina, que molhava-lhe a face, tirando-lhe todas as impurezas daquela cidade cinza.

Daniela Machado

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Das paredes inóspitas do escritório vazio.

Ontem me peguei vagando noite adentro no escritório vazio.
Tive uma sensação de morte. Afinal de contas, estava perdendo todo o sabor da vida dentro daquelas paredes inóspitas. Aliás tudo já estava meio inóspito. As paredes, a reforma, as pessoas. Percebi que tirando algumas ocasiões excepcionais, o trabalho extra (besta) é na verdade tempo de vida desperdiçado. Fiquei com medo de me perder dentre as vaidades gratificantes do dinheiro, me deixando levar pelas ilusões de grandeza, e esquecer o que eu realmente admiro fazer, que é curtir um ócio criativo, uma vadiagem responsável e, na miuda da malandragem, desfilar todo o meu samba, que é o que eu tenho e também pouco do que sou.


Daniela Machado

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Atropelei a mobília

Atropelei a mobília outro dia
Ganhei um dedo partido em dois
Mal sabia em quantas partes ainda partiria o meu peito.
Logo depois.

Daniela Machado

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Então é assim.

Essa vida, danada de deixar gente perplexa, muda e te ensina, quando se menos espera.
A menina vai seguindo um caminho, achando que tá tudo sobre controle, que entre um vacilo ou outro, sempre reina a mais pura racionalidade. E de repente! Pá! Caiu no chão. Tropeçaste no próprio ego, que deixou desamarrado, sem querer (querendo). E o seu coração, que antes jurava de “pé junto” não mais a decepcionar, ri sem graça nenhuma, do seu desespero:
-Iludiu-se novamente. Parabéns!
Lá vai ela! - gritam os espertos, cheios de rancor por dentro.
Saiu com uma perna só, sem equilíbrio, as pessoas lançavam olhares discretos. Leve curtição masoquista.
Dia seguinte, tudo normal. Um pouco de ressaca. A demanda era extrema. Resolveu então deitar na praça. Acabou esquecendo por lá metade dos problemas, e talvez todas as soluções. O dia tava quente demais. Mas não doía-lhe a cabeça. Só sussurravam.
-Dessa vez sou eu que estou passando dos limites – falou sem querer alto na rua. Um senhor passou e a olhou esquisito.
Fingiu que nem era com ela. Ia fingir tudo de agora em diante.
Pensou.

Daniela Machado